quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

O Paradoxo de Herzog

Na noite do dia 24 de outubro de 1975, a polícia adentrou na sede da TV Cultura para entregar uma intimação a Wladmir Herzog, que gozava, então, de um alto cargo na emissora. Provavelmente, por ter julgado que o fato de ser uma importante personalidade o livraria de sumir nos porões da ditadura, ele cumpriu a intimação e se entregou na sede do DOI-Codi no dia seguinte. A acusação era de pertencer ao Partido Comunista.
No dia 26, a famigerada fotografia de Herzog estampou as páginas dos principais jornais. Ele teria se enforcado com o cinto do seu uniforme de detento, em sua cela, após confessar sua ligação com o partido comunista.
O irônico é que a própria foto usada para forjar sua morte denunciava a fraude que ela era. A janela que o jornalista teria usado para se enforcar não era alta o suficiente sequer para manter o corpo da qual dependurava em pé; ela era claramente mais baixa que Herzog. Como alguém se enforca em um lugar mais baixo que ele próprio?
Não obstante, as marcas de tortura que cobriam o cadáver eram tão evidentes, que a Sociedade Cemitério Israelita negou-se a enterrá-lo na área dos suicidas: “Vi o corpo de Herzog. Não havia dúvidas de que ele tinha sido torturado e assassinado” – Rabino Henry Sobel.
O caso corria na justiça até que ontem, dia 14, a imprensa noticiou que a juíza Paula Mantovani Avelino, da 1ª Vara Criminal de São Paulo homologou a prescrição do caso, ou seja: o caso foi arquivado, não se julga mais, não se fala mais nisso; venceu a data de validade do caso. A juíza alega que a prescrição do caso está de acordo com as leis brasileiras. Para ela, o relatório criado pela Comissão de Direito Internacional que define os crimes contra a humanidade como imprescritíveis, não foi votado, portanto não é válido.
Dado a atitude da juíza, imagino que a disciplina História não era o forte dela, na faculdade. O crime cometido pelos militares contra Herzog não tem o mesmo peso que um assassinato numa briga de boteco (como o caso Irineu Barbosa), tem sequer o peso da morte do garoto de Bauru, que morreu sob tortura policial. Morte sob tortura policial é algo terrivelmente comum em nosso país, e cada vez que ela se repete, afirma a prática um pouco mais, fazendo-a parecer comum.
Entretanto, ocorridos como o do caso Herzog vão muito além, eles inspiraram a tradição de uma polícia truculenta; aliás, eles fazem parte do surgimento da nossa polícia truculenta.
Temos de admitir que os anos de chumbo da ditadura acabaram, a violência com que o Estado trata seus cidadãos hoje não chega sequer perto da usada durante os “Anos de Chumbo”. É justamente por isso que o Estado de hoje deve declarar como culpados os responsáveis por esses atos, ele deve deixar claro que não compactua com esse tipo de atitude; é isso que nos dizem os governantes quando inquiridos sobre os abusos policiais, então eles devem provar.
A condenação dos culpados pelos crimes de tortura durante a Ditadura Militar é puramente simbólica, exceto nos casos onde o Estado acaba por pagar pensão às vítimas ou às suas famílias, não ocorre nada na prática. Como ocorreu recentemente, no caso do General Ustra, em que a família levou até as últimas instancias o seu julgamento unicamente afim de declara-lo culpado, sem o objetivo de receber alguma indenização ou de que o acusado cumprisse alguma pena.
Como foi explicado acima, os abusos de poder policial, as torturas físicas e psicológicas e até mesmo a espionagem passados durante a Ditadura inspiram essas práticas hoje e nos explicam o porquê da sua existência nos dias de hoje; casos como o de Wladimir Herzog são históricos, esses abusos de poder são abusos históricos, eles influenciam na realidade de hoje e por muito tempo serão lembrados. Fatos históricos não são perecíveis, por que os crimes envolvidos neles devem ser?
A Ditadura Militar já faz parte da memória dos brasileiros, desde os que viveram o período aos que ouviram falar dele, seja de forma informal ou seja pela memória dita “oficial”, quando os brasileiros (ou mesmo os estrangeiros) se lembrarem dos relatos das torturas, como a verão, como crimes ou como parte da cultura brasileira?
Embora muitos dos símbolos da nossa cultura não me agradem muito, e eu me refiro a coisas como futebol e carnaval, eu não quero que atos, que não minha opinião são sim crimes contra a humanidade, façam parte dela. Espero que eu não seja o único.





“Qualquer um que tivesse uma régua, veria ele não se matou” – Profa. Dra. Célia Reis Camargo

* A fotografia acima é a famigerada, que foi divulgada pelo DOI-Codi à imprensa, que a maior parte dos leitores (?) já deve ter visto em seu livro didático de História.

*Alguns dados históricos foram obtidos no website www.unficado.com.br

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

A corrente sempre arrebenta em seu elo mais velho

(Este texto era para ter ido antes do post anterior, mas por uma impossibilidade técnica acabou ficando para depois.)

O nosso mundo neoliberal define papéis específicos para cada tipo de pessoa. Somos todos rotulados e encaixados em cada um desses papéis; isso através dos intrincados mecanismos de poder existentes em nossa sociedade.
Apliquemos esses conceitos ao caso dos idosos. Estipula-se que, nos primórdios da humanidade, assim como os outros animais, os indivíduos velhos eram expulsos do grupo, pois representavam um fardo a ser carregado. Aos poucos, as diferentes tribos foram percebendo que os velhos seriam úteis para cuidar das crianças, ensina-las os costumes e as tarefas do dia-a-dia e, além disso, fazer o que de melhor os idosos sempre souberam fazer: transmitir a memória; embora a questão da memória seja um assunto fascinante, não será o foco desta dissertação.
Entretanto, Ecléa Bosi nos mostra, em sua livre-docência, que a contemporaneidade tirou-lhes essa função e os exclui permanentemente de nossa sociedade, aos moldes de nossos ancestrais mais providos de pêlos. Ecléa aponta algumas das inúmeras formas de exclusão, desde as burocráticas (como a previdência e os asilos) até as mais sutis. O motivo dessa exclusão, segundo Ecléa é, principalmente, o fato de os idosos não se encaixarem mais no sistema produtivo, ou seja, eles não trabalham, não produzem a riqueza que gastam.
Falamos, aqui, idosos que sobrevivem da aposentadoria, que representam a grande maioria deles; seu consumo está ligado, obviamente, a seus rendimentos, mas o que vimos um pouco ates da atual crise econômica estourar, durante a euforia dos financiamentos, é que os aposentados eram muito bem-vindos nas financeiras: “aposentados e pensionistas do INSS, realizem seus sonhos agora”. É claro que o interesse das financeiras estava centrado nos ganhos estáveis dos aposentados, assim os atraiam com promessas fantásticas ou então a oportunidade de sanar a dívida de seus filhos.
Mas, ao contrário das financeiras, a grande massa homogênea das instituições do mundo neoliberal não vê com bons olhos os idosos. Cria-se então, sutilmente, uma imagem negativa desses indivíduos nos comerciais de TV, nas telenovelas, nos filmes de Hollywood; os programas de televisão, as roupas de marca, as redes de fast food têm linhas para mulheres, para crianças e a linha padrão: para os jovens, não existem produtos para os velhos. E se não ha como se encaixar comprando, então não ha como ser bem visto em nossa sociedade, todos sabemos muito bem disso. É lógico que há empresas que têm os idosos como alvo de sua publicidade, como as financeiras, citadas acima, e a indústria farmacêutica, mas há ainda um abismo entre o resto do capital circulante.
Dessa forma, os idosos não configuram um grupo social com o qual os grandes “tomadores de decisões”, governamentais ou não, se preocupem ao tomar decisões, já que a opinião pública não o faz. Com isso, eles acabam sempre ficando para traz mudanças inerentes à “modernização” das instituições de nossas sociedades, como a economia, por exemplo.
Em novembro do ano passado, a CNI, Confederação Nacional da Indústria deu início a um ciclo de debates sobre os efeitos da constituinte de 1988*. Sobre esse ciclo a revista Indústria Brasileira de dezembro de 2008 afirmou:

“O debate evidenciou que, se por um lado a constituição trouxe notável e necessário avanço no resgate da dívida social, assegurando direitos e lançando bases para investimentos na área, por outro colocou peso financeiro excessivo sobre o Estado brasileiro. A substantiva ampliação de direitos e a universalização de acesso à Previdência Social resultaram em estrutura de gastos com padrão similar ao de países de população bem mais velha, a exemplo da Alemanha. Em dez anos o déficit previdenciário somou quase meio trilhão de reais;”

Primeiramente, percebe-se pela passagem “e lançando bases para investimentos na área” que a preocupação é maior com os investimentos do que com o “resgate da dívida social”, citado anteriormente. Em segundo lugar, é interessante a colocação de que a “universalização do acesso à Previdência” e a “ampliação de direitos” é a culpada pelo rombo na Previdência; em outro momento, a reportagem destaca que esse fenômeno é responsável pelo aumento da carga tributária de 20% (em 1988) para 37% (atualmente).
Em outras palavras a edição da revista (supõe-se que ela reproduz a fala dos participantes do evento) culpa os aposentados pela alta carga de impostos existente no país. Sejamos sinceros, todo brasileiro sabe que a aplicação do dinheiro público é uma mangueira furada, em cada dela ha um furinho que drena mais ou menos dinheiro e faz chegar muito pouco ao destino inicial; além disso, há os gastos astronômicos com salários e benefícios de parlamentares e servidores públicos de alto escalão. Mesmo sabendo disso tudo, alguns cidadãos são capazes de culpar os beneficiários da Previdência pela alta carga tributária? Sim, existem beneficiários da Previdência que conseguiram a sua aposentadoria através de fraudes, mas estes são só uma cópia mal feita dos grandes fraudadores do bem público, como o Juiz Nicolau e o deputado Paulo Maluf.
Além disso, é uma tendência das sociedades modernas, onde o crescimento vegetativo (nascimentos menos mortes) é cada vez mais baixo, é que o sistema previdenciário está entrando em colapso, pois a menos contribuintes que beneficiários. No entanto, o Brasil, além de estar sofrendo levemente desse efeito, tem uma história de calotes na previdência, empréstimos feitos pelos próprios órgãos do governo que não foram pagos ou o foram tardiamente; onde foi empregado o dinheiro desses empréstimos? Culparemos os beneficiários por esse gasto também?
É muito fácil culpar os beneficiários, já que são pessoas que não podem trabalhar (em sua maioria os idosos) e não ajudam a movimentar a economia. Como vimos anteriormente, nossa sociedade exclui os que não produzem nada para ela; assim, os idosos passam a ser um fardo na sociedade. Na visão dos grandes tecnocratas de nosso país, os idosos são parasitas que retardam o crescimento da economia nacional, portanto a Previdência Social precisa de uma reforma (nas palavras da revista).
Lembrem-se do que discutimos em relação à reforma na CLT, a corrente arrebenta em seu elo mais fraco; quando o avião começa a perder altitude, jogamos o peso desnecessário fora, se for necessário jogar algumas pessoas, jogamos as menos necessárias. Em tempos de bonança, os velhos vão sendo aos poucos esquecidos, em tempos de crise, todos apontam para eles e dizem que é preciso fazer sacrifícios.
Mas se você é jovem e ficou com medo de chegar a velhice, não se preocupe, há sempre uma previdência privada a sua disposição, é o que a CNI sugere; mas nunca peça a opinião de um chileno sobre isso.

*Desse ciclo de debates participaram o ex-presidente e entusiasta do neoliberalismo Fernando Henrique Cardoso, o presidente da CNI, Armando Monteiro Neto e o ministro da justiça Tarso Genro, entre outros figurões.

Publicidade pega carona com consumidores

O jornal Estado de São Paulo publicou hoje, na última página de seu caderno Economia, uma notícia com o mesmo título desse post.
Como o site só permite o acesso de assinantes a essa notícia, vou explicá-la em linhas gerais:
A mídia atual é extremamente fragmentada em relação a dez ou quinze anos atrás, em que o papel da publicidade era exercido quase unicamente pela televisão e, com menor participação, rádio e mídia impressa. Com isso, o desafio dos novos publicitários é inserir-se nesses novos meios de mídia, principalmente os da internet, que têm crescido bastante.
Entretanto, as grandes "aglomerações de usuários" da internet são pautadas na interatividade, como o Orkut e MSN, o que, na minha opinião, está ligado ao crescente individualismo que vivemos. Os publicitários que estão se destacando atualmente são os que sacaram que para crescer nesse espaço é necessário ser interativo; nas minha palavras: fazer o indivíduo acreditar que na causa da empresa e fazer a publicidade por ela, o que é muito mais eficiente e barato.
O jornal cita a minissérie "Control C Control V", feita pelo MSN á partir de diálogos no messenger enviados por usuários. Além disso, temos a campanha da Oi, "somos honestos, vendemos celulares desbloqueados, arraste o cara gordo de colant que está algemado a vc até o quiosque da Oi mais próximo" então inúmeras pessoas aderiram à campanha e passaram a empunhar a bandeira dos celulares desbloqueados.
O trouxa acredita que está fazendo um bem para o mundo ("nesse natal, dê para o mundo o seu melhor") e sai empunhando a idéia feita que a empresa lhe deu (veja que ótimo, é grátis!); nesse ponto, eles parecem ter emprestado a idéia do PSTU, mas somaram à publicidade bem feita; afinal, os partidos da "extrema esquerda" não têm modelos lindas e caras "pegadores" para fazer com que as pessoas adotem a sua ideologia, o que obviamente me parece mais consistente.
Mas, dado à mentalidade dos jovens, pelo que vejo na sala de aula, acho bem possível que as próximas movimentações populares passem a ser patrocinadas por grandes empresas; a infâmia não tem limites nesse mundão véio sem portera; então seria a primavera dos movimentos por causas inúteis ou inalcansáveis, como "não deixe que lhe vendam um celular bloqueado" ou então "vamos salvar o mundo das cáries"*; que tal deixar o mundo mais feliz cantando no metrô?.

No Orkut, neste momento:
Comunidade "queremos coca-cola de 20 litros": 1.359.988 membros
Comunidade "Nike" brasileira: 339.205 membros


*Projeto para salvar o mundo das cáries: todos escovam os dentes com pastas Colgate nos países ricos e emergentes, nos países pobres não precisa, eles não nada comem mesmo!

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Sobre o texto abaixo

Meu caros leitore(a)s (?), sei que o texto que eu postei abaixo é comprido demais para os padrões da internet de hoje, mas quem não estiver disposto a ler tudo que vá ao twitter (a propósito, vejam www.twitter.com/marco_calavera)!

Eu escrevi esse texto há alguns dias e ele estava passando de mãos em mãos entre meus amigos antes de eu resolver criar esse blog para postá-lo. Nessa passagem, um amigo da área das leis me alertou pela pequena gafe de tratar Consolidação e Código como sendo a mesma coisa.
Grosseiramente, a Consolidação é uma reunião de leis que já vigoravam e não exige uma organização padrão das mesmas em sua composição, diferentemente do Código.
Na opinião dele, a CLT, pelo proprio fato de ser uma consolidação está extremamente desorganizada, daí um dos argumentos em favor de sua reforma.

Talvez ao leitor do texto postado a seguir, possa parecer que eu seja contra a reforma da CLT; eu não sou contra. Acredito que as leis podem sempre ser revistas, com o máximo de participação popular possível.
Mas por que mudar isso justo agora, tantos slogans depois? (50 anos em 5; Brasil, ame-o ou deixe-o; Brasil, o país do futuro; Pra frente Brasil; Lula-lá; deixe o homem trabalhar e até a coqueluxe do "relaxa e goza". Por que escolher justamente esse momento?
Com o mal-estar causado pela crise econômica, os brasileiros estão com medo de perder seus empregos, de não conseguir pagar suas dívidas, de perderem tudo... o "salve-se quem puder" está se generalizando, o que propicia uma medida governamental de caráter duvidoso.
Foi assim que Hitler levou toda (entre aspas) a Alemanha em seu projeto megalomaníaco; foi com essa desculpa que Getulio e os Milicos de 64 legitimaram seus golpes e para os mais conservadores, foi graças ao fato do povo russo estar morrendo de fome e de frio que a Revolução Russa teve êxito.
Concluindo, a reforma pode ser feita, mas a pressão para que ela seja feita agora não passa de uma manobra para pôr em prática os interesses de um determinado grupo em detrimento de outro.

A corrente sempre arrebenta em seu elo mais fraco

A grande imprensa tem retratado a atual crise econômica como sendo o maior choque para o capitalismo desde a crise de 1929, os veículos mais impulsivos falam da maior crise da história do capitalismo.
Por outro lado, importantes intelectuais têm vindo a público profetizar profundas mudanças no cenário mundial. No meio acadêmico, é comum encontrar autoridades dizendo que esta crise do capital marca o início de uma era mais igualitária; os marxistas mais entusiastas conseguem ver uma brecha para a retomada da luta de classes e a oportunidade de novas revoluções.
De fato, os principais representantes da parcela mais conservadora de nossa sociedade, representada por partidos como o DEM e o chamado Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que defendiam o modelo econômico mundial, não foram capazes de apresentar grandes propostas para salvar o mundo. Os grandes economistas ligados a esses partidos parecem não poder se libertar dos métodos usados para colocar a economia brasileira nos trilhos, durante a década de 1990; feito que lhes proporcionou o grande respeito do qual gozavam até os dias de hoje.
Contudo, a História nos mostra que é mais fácil apontar soluções enquanto não se está no poder; dizia-se no fim da Monarquia que não há nada mais conservador que um liberal no poder e nada mais liberal que um conservador fora dele. Sem destoar de nosso passado, a situação se mostra lenta e enfadonha ao trabalhar contra a crise, enquanto cada setor da oposição apresenta a sua solução.
Para dar continuidade a esse pensamento, é conveniente lembrar o artigo de Plinio Arruda Sampaio, publicado na revista Le Monde Diplomatique de dezembro de 2008. Basicamente, ele nos diz que a crise já chegou e, inevitavelmente, causará algumas mudanças. O que nos resta fazer, a nível nacional e internacional, é aproveitá-las de modo a tornar seu legado algo positivo. Ao invés de apenas passar por ela sem sofrer danos e depois voltar a crescer num quadro econômico mundial onde todos estão tentando fazer o mesmo, aproveitar para crescer durante a tormenta, pois o Brasil é capaz de fazê-lo. A recessão econômica na década de 1930, por exemplo, permitiu que o Brasil fortalecesse sua indústria, aproveitando-se do enfraquecimento da estrangeira.
Entretanto, assim como Plinio Arruda aponta em seu artigo as suas próprias soluções, representantes dos demais grupos sociais também apontam as suas. Uma medida para conter a crise que tem gerado grande repercussão na mídia é a reforma das leis trabalhistas. Os telejornais não comentam a origem dessas idéias quando as discutem, mas algumas pessoas apontam que teria sido sugestão de executivos da empresa Vale ao governo federal.
A CLT, o código de leis trabalhistas brasileiro, foi criado durante o Governo Vargas e nunca sofreu uma reforma de fato, apenas pequenas alterações. Getúlio Vargas, que em seu tempo foi considerado o "pai dos pobres", é hoje considerado o pai do populismo no Brasil. E se hoje as medidas políticas de Lula, que é capaz de obter uma aprovação de mais de 70% da população, são acusadas de populistas e eleitoreiras, é preciso saber que esse estilo de governo não é recente em nosso país. Tendo sido realizada por interesse ou não, a Consolidação das Leis do Trabalho é bastante avançada, vai além até mesmo da legislação de muitos países classificados como desenvolvidos.
A CLT, contudo, não vale para maioria dos executivos das grandes empresas que operam no Brasil; esses geralmente são empregados através de contratos de trabalho. Outra idiossincrasia dos executivos brasileiros é que eles não seguiram o exemplo de seus colegas de Wall Street, nossos compatriotas continuam recebendo salários de dezenas ou centenas de milhares de reais por mês. O que não parece ter chamado a atenção dos telejornais. Haverá alguma ligação com o fato de ser esses executivos quem assina os cheques que pagam a publicidade de suas empresas, que por sua vez sustenta as emissoras de televisão?
Cada funcionário brasileiro custa a seu patrão mais que uma vez e meia o que recebe, o que se dá pelos impostos que se paga por cada carteira por ele assinada. A redução dos encargos trabalhistas seria uma boa opção para diminuir os níveis de desemprego e ajudar as empresas a crescerem, mas isso significa diminuir os ganhos de uma gigantesca máquina burocrática constituída por órgãos do governo e por centrais sindicais que nem sempre estão realmente concentradas em resolver os problemas dos sindicalizados. Com isso, uma reforma nos encargos, embora esteja sendo mais comentada que o corte de custo nos altos escalões das grandes empresas, não se tornou um tema muito abordado nos principais meios de imprensa, que demonstram mesmo a maior simpatia pela reforma nas leis trabalhistas.
É óbvio que quando os membros desses grupos falam de mudar a legislação trabalhista, falam de mudanças que sejam melhores para eles, falam de redução de direitos dos trabalhadores. Expressão essa, que pode soar muito bem aos ouvidos de muitos leitores, que pensam logo nos casos de funcionários que se aproveitam das leis para arrancar indenizações altíssimas de seus patrões, como se uma simples mudança em um código de nossa legislação consertasse um grave problema no Brasil: a corrupção. O problema, nesse caso, não é o excesso de direitos, e sim o mau uso deles, que não se restringe ao "por no pau", mas também ao "levar aos tribunais". Uma mudança na CLT não suprimiria os abusos por parte dos trabalhadores, assim como não suprimiria os desrespeitos a eles pelos patrões, porque o problema não está na CLT e sim no mecanismo que intermedia as leis e a realidade, que é corrupto, e faz com que as leis não sejam cumpridas de acordo com a intenção de quem as escreveu.
Dessa forma, falamos da diminuição dos direitos trabalhistas através do eufemismo "Reforma na CLT", a mídia, devido a uma rede de interesses pessoais, passa a defender essa causa, apelando para argumentos como "as leis não são reformadas desde 1948" e mostrando casos de mau uso das leis trabalhistas por parte de membros da classe trabalhadora (sempre se esquecendo dos descumprimentos do grupo social a quem defendem), faz questão de manchar a imagem dos sindicatos. Os sindicatos, desacreditados e corrompidos, raramente se empenham tanto quanto deveriam para conter essas mudanças. Com isso, a proposta vai ganhando força e ficando mais próxima de se tornar realidade, o que, se acontecer, fará piorar um pouco mais a condição dos mais pobres, que, de modo geral, são os assalariados. Assim, a corrente arrebenta em seu elo mais fraco; sobrará, mais uma vez, para os mais pobres se esforçarem para manter o conforto dos mais ricos.
Voltemos mais uma vez ao nível internacional. Nos primeiros meses de crise, o G8 (os oito países mais poderosos do mundo) pediam ajuda aos outros integrantes do G20 (os 20 mais poderosos) com o argumento "a crise atingirá o mundo inteiro, ajude-nos a conte-la e ela não atingirá vocês"; o Banco Central brasileiro vendeu seus dólares para colaborar com a contenção do preço da moeda, alta esta que é causada porque os grandes investidores (em sua maioria dos países ricos ou eles próprios) retiraram seus investimentos (em dólar) do mercado, com isto o Brasil abriu mão de uma moeda extremamente valorizada em prol da economia mundial, enquanto os países ricos ficaram com ela e estão esperando que o caos acabe para voltar a investi-la.
Essa crise está causando as grandes mudanças esperadas porque os ricos não estão assumindo o prejuízo sozinhos, eles estão partilhando-o com os pobres, mais do que isso, tentando fazer os pobres se esforçarem o máximo possível para que os rombos sejam cobertos sem que eles tenham que mudar seu estilo de vida. Assim como não devemos deixar os países ricos jogar o fardo nas costas do Brasil, não devemos deixar os brasileiros mais abastados jogar o fardo nas costas dos mais pobres. O relaxamento nas leis trabalhistas é mais uma forma de empresas gigantescas que operam no Brasil, principalmente as multinacionais, fazer com que os trabalhadores brasileiros apertem seus cintos para pagar os prejuízos que contraíram com a especulação financeira. Devemos socorrer a cigarra nesse inverno mesmo sabendo que ela continuará comendo a nossa comida no próximo verão?