No dia 26, a famigerada fotografia de Herzog estampou as páginas dos principais jornais. Ele teria se enforcado com o cinto do seu uniforme de detento, em sua cela, após confessar sua ligação com o partido comunista.
O irônico é que a própria foto usada para forjar sua morte denunciava a fraude que ela era. A janela que o jornalista teria usado para se enforcar não era alta o suficiente sequer para manter o corpo da qual dependurava em pé; ela era claramente mais baixa que Herzog. Como alguém se enforca em um lugar mais baixo que ele próprio?
Não obstante, as marcas de tortura que cobriam o cadáver eram tão evidentes, que a Sociedade Cemitério Israelita negou-se a enterrá-lo na área dos suicidas: “Vi o corpo de Herzog. Não havia dúvidas de que ele tinha sido torturado e assassinado” – Rabino Henry Sobel.
O caso corria na justiça até que ontem, dia 14, a imprensa noticiou que a juíza Paula Mantovani Avelino, da 1ª Vara Criminal de São Paulo homologou a prescrição do caso, ou seja: o caso foi arquivado, não se julga mais, não se fala mais nisso; venceu a data de validade do caso. A juíza alega que a prescrição do caso está de acordo com as leis brasileiras. Para ela, o relatório criado pela Comissão de Direito Internacional que define os crimes contra a humanidade como imprescritíveis, não foi votado, portanto não é válido.
Dado a atitude da juíza, imagino que a disciplina História não era o forte dela, na faculdade. O crime cometido pelos militares contra Herzog não tem o mesmo peso que um assassinato numa briga de boteco (como o caso Irineu Barbosa), tem sequer o peso da morte do garoto de Bauru, que morreu sob tortura policial. Morte sob tortura policial é algo terrivelmente comum em nosso país, e cada vez que ela se repete, afirma a prática um pouco mais, fazendo-a parecer comum.
Entretanto, ocorridos como o do caso Herzog vão muito além, eles inspiraram a tradição de uma polícia truculenta; aliás, eles fazem parte do surgimento da nossa polícia truculenta.
Temos de admitir que os anos de chumbo da ditadura acabaram, a violência com que o Estado trata seus cidadãos hoje não chega sequer perto da usada durante os “Anos de Chumbo”. É justamente por isso que o Estado de hoje deve declarar como culpados os responsáveis por esses atos, ele deve deixar claro que não compactua com esse tipo de atitude; é isso que nos dizem os governantes quando inquiridos sobre os abusos policiais, então eles devem provar.
A condenação dos culpados pelos crimes de tortura durante a Ditadura Militar é puramente simbólica, exceto nos casos onde o Estado acaba por pagar pensão às vítimas ou às suas famílias, não ocorre nada na prática. Como ocorreu recentemente, no caso do General Ustra, em que a família levou até as últimas instancias o seu julgamento unicamente afim de declara-lo culpado, sem o objetivo de receber alguma indenização ou de que o acusado cumprisse alguma pena.
Como foi explicado acima, os abusos de poder policial, as torturas físicas e psicológicas e até mesmo a espionagem passados durante a Ditadura inspiram essas práticas hoje e nos explicam o porquê da sua existência nos dias de hoje; casos como o de Wladimir Herzog são históricos, esses abusos de poder são abusos históricos, eles influenciam na realidade de hoje e por muito tempo serão lembrados. Fatos históricos não são perecíveis, por que os crimes envolvidos neles devem ser?
A Ditadura Militar já faz parte da memória dos brasileiros, desde os que viveram o período aos que ouviram falar dele, seja de forma informal ou seja pela memória dita “oficial”, quando os brasileiros (ou mesmo os estrangeiros) se lembrarem dos relatos das torturas, como a verão, como crimes ou como parte da cultura brasileira?
Embora muitos dos símbolos da nossa cultura não me agradem muito, e eu me refiro a coisas como futebol e carnaval, eu não quero que atos, que não minha opinião são sim crimes contra a humanidade, façam parte dela. Espero que eu não seja o único.
“Qualquer um que tivesse uma régua, veria ele não se matou” – Profa. Dra. Célia Reis Camargo
* A fotografia acima é a famigerada, que foi divulgada pelo DOI-Codi à imprensa, que a maior parte dos leitores (?) já deve ter visto em seu livro didático de História.
*Alguns dados históricos foram obtidos no website www.unficado.com.br